“Renuncio porque sou negra. Porque tem sopro suficiente dizendo a hora e o lugar de descer para seguir na luta. É minha escuta de lobo, de quilombola. (…) Renuncio porque a cor da pele de Dona Ivone Lara precisa agora, ainda, ser a de outra artista, mais preta do que eu. Renuncio porque quero um dia dançar ao lado de todo e qualquer irmão, toda e qualquer tom de pele comemorando na praça a nossa liberdade.” Fabiana Cozza
Pedimos licença às nossas ancestrais para falar sobre o que nos une. Não vamos falar de paleta de cores ou de um lugar à sombra. Falamos de origem, pertença, identidade étnico-racial e política.
Em sua histórica carta de renúncia ao papel de Dona Ivone Lara, a cantora Fabiana Cozza afirma sua identidade negra, ao mesmo tempo em que situa o racismo brasileiro. Um perverso sistema de organização da nossa sociedade que, infelizmente, mata, violenta e restringe espaços para a população preta. O tom da pele ainda faz diferença. Quanto mais escura, mais vulnerável ao fuzil e à morte.
É por isso que ao ser convidada pela direção do espetáculo para encenar dona Ivone, Fabiana foi confrontada por diversos segmentos, organizações e pessoas negras que, como nós, entendem que a trajetória da dama do samba precisa ser homenageada com os tons e as cores que esta Agbá carregou e cantou durante a vida.
Ao renunciar em nome de seus irmãos e irmãs, Fabiana encara as críticas que recebeu, risca o chão e delimita o espaço em que o debate precisa se dar. Entre nós.
Somos nós, população negra, especialmente mulheres negras, que precisamos de nos debruçar sobre o racismo e pensar em estratégias para afrontá-lo. Yaba Blay já nos provocava no Festival Latinidades de 2015: “em que momento ocupar um espaço para abrir caminhos e em que momento atuar para garantir que uma irmã, com o tom de pele mais escuro (dark black), esteja à nossa frente?”
Irmandade. É disso que se trata. Se a guerra é preta e a estratégia é quilombola, como diz Nelson Maca, o momento histórico requer algumas renúncias. E Fabiana Cozza soube mudar a direção. Obrigada, irmã. Saudamos a sua luz e força. Seguimos juntas!